Porque hoje faz anos o André nada melhor para o comemorar que publicar poesia sua.
ELA AGUARDA, CALMA
Faço um retrato
falado
de cada palavra que
falo.
Desenho, retoco,
destaco a imagem
alegre,
inteligente, modesta,
vendida no palco,
desde a tímida
adolescência
até a interminável
temporada
neste gasto teatro,
raras vezes cheio.
Continuo a peça,
rua, quarto,
banheiro, sala,
até na cama com
sonhos.
Diante do espelho
ponho máscaras,
ligadas nas veias,
subjetivo implante
esculpido na face.
Depois de cada frase
a verdade, como o
verde,
se descasca ao correr
da idade.
Mas, do que digo e
penso,
parte me surpreende
porque não preparo,
surge de dentro,
de algum cósmico
segredo,
inesperado.
Humanos disputam
terra e amor
com flecha.
Nos meus diálogos
internos
as vezes agrido,
invento vilões
insandecidos
e me fantasio de juiz
e carrasco.
É simples a
guilhotina,
toca-se em um pino
e a lâmina decepa
inimigos.
No meu teatro, em um
canto,
ao lado do proscênio,
com seu vestido negro
e o legítimo alfange
de aço,
ela aguarda, calma,
o fim da peça,
dedos na alavanca
para descer a cortina
no último momento,
pintando as palmas de vermelho.
A MORTE TRANSFIGURA
O jato do chuveiro
atinge a pele seca,
lembro o amor feito
na praia molhada.
A memória tem a rédea
dos fatos,
cada passo lembro
trajetos,
o beijo escorre nas
omoplatas,
desce o calendário
nos antigos
orgasmos.
Luto para revisar
processos julgados
no falho tribunal da
cabeça.
Cada gesto cria o
próximo,
o pedido negado
inibe,
o diálogo interno
repete
mil vezes o
improvável.
Antes com medo do
alfanje
a Morte agora
convoco,
exata conselheira
dos meus atos.
Frente aos objetos
mentalizo as
partículas
das quais sou também
feito.
A eternidade está na
matéria,
a alma é feita
da mesma essência das
pedras.
Ator e cenário,
sou o amor, a cama, o
fato,
nevoeiro mais denso
dentro da água.
Lanço meu pensamento
na planetária
igualdade
feita de átomos.
A carne se transforma
em árvore,
a morte transfigura
poeira em seiva,
palavras em semente,
o verso une e reparte
meu universo.
BRINQUEDOS GRATUITOS
O bisturi da caneta
corta,
o sangue jorra,
do acerto não ha
certeza.
O tempo esculpe rugas
nas colinas,
drosófilas nem se
importam
com a morte das
cobaias.
Púbis feminino
é um pássaro azul
no jardim dos anjos.
Ha uma cápsula do
tempo
na gaveta do
apartamento submarino.
Um gnomo, esperto,
vai pela porta
entreaberta,
um caminhão sem alma,
esmaga.
Sigo pelo buraco de
verme
até o berço, perdido
na memória.
O olvido, reunido,
é chama no inferno.
Nada mais foi dito.
CONSTRUINDO O FUTURO
Nenhuma pergunta é
idiota,
mas idiotas podem ser
as respostas.
Fico mais jovem
caminhando rápido,
até a velocidade da
luz.
Se a parede de seu
quarto
é um nevoeiro de
átomos,
vou transpô-la como
um fantasma,
por favor,
não grite na
madrugada,
acredite nos milagres
quânticos
do amor sem códigos.
Quatrocentos bilhões
de estrelas
tem nossa Via Láctea,
mais planetas
multiplicados.
Pela manhã urge
colocar sapatos,
porta-seios, ir ao
banheiro
com o olhar curioso
de Deus a caça do
pecado.
Galileu e Darwin
esmagaram
a pretensão da
importância humana.
Drosófilas, cobaias
de laboratório,
olham o cientista
irmão debruçado
nas lentes do
microscópio.
Felizes os
dinossauros,
jamais viram
um ser humano
com seus tacapes e
bombas de hidrogênio.
O demônio corta os
chifres,
se banha em francesas
essências
para tirar o perfume
de enxofre.
A emoção de um
coração partido
não se transplanta.
Junto palavras,
imprimo capítulos
e capa colorida.
O livro é apertado
no peito virgem
de bicos cor de rosa.
Além da roupa jogada,
dois corpos nus lutam
na cama
para descobrir o
segredo do mundo,
entre gritos
discretos e a marca das unhas vermelhas.
O orgasmo é o
improvável começo
de um feto esperto
construindo o futuro.